Potencial é explosivo, diz procurador sobre prisão de 53 doleiros
Embora não se saiba os clientes dos alvos da operação, é mencionado serviço a político do MDB, à empresa JBS e “comunidade judaica”
A prisão de 53 doleiros, operadores e fornecedores de dinheiro vivo, determinada pela Justiça Federal na Operação Câmbio, Desligo, tem potencial explosivo na avaliação do procurador Eduardo El Hage, coordenador da Lava Jato no Rio.
A operação visou boa parte dos doleiros que transacionaram com os doleiros Vinicius Claret e Cláudio Barbosa, apontados como os “doleiros dos doleiros” que firmaram delação premiada. Embora não se saiba os clientes dos alvos da operação, é mencionado serviço a político do MDB, à empresa JBS e “comunidade judaica”.
“Essa é a maior operação desde o Banestado. Se pensarmos que a Lava Jato começou com um doleiro, podemos imaginar o potencial dessa operação. O potencial é explosivo”, disse El Hage.
O procurador se refere à prisão do doleiro Alberto Youssef, que havia sido preso em 2003 na Operação do Banestado e foi personagem central para a ampliação da Lava Jato em Curitiba.
Entre os presos estão operadores que atuavam no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Minas Gerais.
Assim como Youssef, a operação desta quinta tem como alvo doleiros que firmaram delação premiada após serem presos. Entre os nomes estão Claudine Spiero e Patrícia Matalon.
“As investigações de agora podem ensejar o rompimento desses acordos”, disse El Hage.
O procurador Sérgio Pinel defendeu as delações premiadas, apesar da reincidência dos colaboradores do passado. “Nada do que foi apurado seria possível sem a colaboração premiada [de Claret e Barbosa]”.
A dupla de doleiros foi solta nesta quinta, em cumprimento ao acordo assinado com o MPF (Ministério Público Federal). Eles foram presos em março do ano passado no Uruguai e extraditados no início do ano.
Já foram presas 33 pessoas no Brasil e no Uruguai. O principal alvo, Dario Messer, está foragido. Ele é filho do doleiro Mardko Messer, espécie de mentor de Claret e Barbosa na década de 1980, responsável por dar lastro financeiro às operações da dupla, recebendo o maior quinhão do lucro do grupo.
Claret e Barbosa detalharam em delação premiada como funcionava um sistema que reunia doleiros de todo o país que movimentou cerca de US$ 1,6 bilhão (o equivalente a cerca de R$ 5,3 bilhões) envolvendo mais de 3.000 off-shores em 52 países.
Conhecido como Juca Bala, Claret já foi citado por executivos da Odebrecht, o corretor Lúcio Funaro e os doleiros Renato e Marcelo Chebar, que atuavam para o ex-governador Sérgio Cabral (MDB).
Claret operava tanto contas no exterior como era capaz de fornecer dinheiro vivo para corruptores interessados em pagar as quantias a agentes públicos. Concentrava, assim, as duas pontas da operação dólar-cabo, usada para despistar as autoridades financeiras do país.
Embora atuassem no Brasil, os dois operavam o complexo sistema de dólar-cabo desde o Uruguai. Grande parte dos recursos em espécie era movimentada pela transportadora de valores Transexpert, já mencionada na delação do operador Álvaro Novis.
Claret e Barbosa foram presos em março do ano passado no Uruguai em decorrência da Operação Eficiência, feita com base na delação dos irmãos Chebar e que prendeu o empresário Eike Batista. Claret foi citado como tendo auxiliado na evasão de US$ 85,4 milhões de Cabral (equivalente a mais de R$ 282,4 milhões) -o que agora revela-se ser apenas uma fração de toda operação da dupla.
Assim como a Odebrecht, o sistema “bankdrop” dos doleiros identificava os responsáveis pelas transações por apelidos. Os irmãos Chebar, por exemplo, receberam o nome de “Curió”.
Os Chebar procuraram a ajuda de Juca Bala após o volume de propina do ex-governador aumentar consideravelmente após ele assumir o estado. Em razão de sua prisão ter ocorrido numa operação da Lava Jato do Rio, ele acabou identificado como “doleiro do Cabral”, embora os dois tenham se conhecido de fato apenas na cadeia pública José Frederico Marques, em Benfica, para onde foi levado em janeiro após ser extraditado do Uruguai.
URUGUAI
Três doleiros foram presos no Uruguai, dois deles ligados à JBS e delatados por um executivo da companhia.
Em delação premiada firmada com a PGR (Procuradoria-Geral da República), Demilton Antonio de Castro, que trabalhou por quase 40 anos na JBS, disse que doleiros foram responsáveis por operar 9.000 pagamentos da JBS a agentes públicos entre 2007 e 2015.
Dois desses doleiros são Paco e Raul, disse Demilton no depoimento. Eles foram detidos no Uruguai nesta manhã.
Demilton afirmou que se comunicava com os doleiros por VPN, um sistema de computador para conversas em vídeo ou mensagem.
“Paco, acredito que o nome era Francisco”, disse Demilton à PGR. Ele também descreveu como funcionava a planilha.
“Joesley [Batista] me passava: tem que pagar esse valor em propina”, afirmou.
“Planilhão era a planilha de controle que eu tinha com doleiro (…) Tem data, nome das pessoas e, em alguns casos, pagamento em dinheiro”, acrescentou.
“Nessa planilhão aí era só relacionamento com doleiro”, disse Demilton.
Ele afirmou que recebia orientação para fazer um pagamento em dólar e entrava em contato com com os doleiros. Os pagamentos eram controlados em uma planilha com 9.000 linhas.
Paco e Raul foram delatados também por Vinicius Claret e Cláudio Barbosa, apontados como os maiores doleiros do país e cujos depoimentos deram base à operação desta quinta.
DOLEIROS DOS DOLEIROS
Claret e Barbosa são descritos como “doleiros dos doleiros” pelo MPF. Os dois operavam o dólar-cabo desde a década de 1980, em agências de turismo da família Messer no Rio de Janeiro.
Em 2003, os dois decidem se mudar para o Uruguai a fim de fugir do monitoramento de autoridades financeiras do Brasil. No ano seguinte, eles herdam as operações da família Matalon, doleiros que atuavam em São Paulo.
Ao acumular as duas maiores praças do mercado de câmbio, passam a ser considerados os “doleiros dos doleiros”. Isso porque quase nenhum operador do mercado tem a capacidade de operar as duas pontas do dólar-cabo sem o auxílio de outros doleiros.
Embora fossem os grandes operadores, Claret e Barbosa recebiam uma pequena participação do lucro dos negócios. A maior cota era destinada a Dario Messer, que dava respaldo às operações com seu nome e captava clientes.
Messer foi dono do banco EVG, de Antigua e Barbuda, onde mantinham contas doleiros e empresários. Entre os nomes listados pela Procuradoria estão Alexandre Accioly e Arthur Cesar de Menezes Soares Filho, o “Rei Arthur”, acusado de pagar propina a Cabral.
Ele deixou a sociedade no banco em 2012, após desentendimento com Enrico Machado, outro dono do banco que também firmou delação premiada.
BANESTADO
Em 2004, membros da família Matalon foram citados no relatório final da CPI do Banestado, que não chegou a ser votado. O caso denunciou a evasão de US$ 30 bilhões (cerca de R$ 99 bilhões) de uma agência do ex-banco estatal em Foz do Iguaçu (PR) para contas do mesmo banco no exterior, ao final da década de 90.
As movimentações ocorreram via CC-5, contas utilizadas por empresas multinacionais para transferir dinheiro para fora do país. Por meio de doleiros, as quantias foram enviadas, posteriormente, para paraísos fiscais.
Também em 2004, a liquidação de reais das operações dos Matalon passou a ficar a cargo de Claret e Barbosa, no Uruguai. Na mira de investigações em território nacional, os Matalon optaram por encerrar sua estrutura em São Paulo e terceirizar a entrega, recolhimento e pagamento das operações.
Patricia Matalon, sobrinha do patriarca Marco Matalon, chegou a fechar acordo de colaboração premiada no âmbito do Banestado. Ainda assim, segundo o MPF, ela voltou a operar com Barbosa em 2014.
Patricia teria procurado o operador, informando que, mesmo não estando no mercado do câmbio paralelo, gostaria de saber se ele poderia ajudá-la com algum cliente específico. Entre 2014 e 2017, ela teria movimentado mais de US$ 2 bilhões (cerca de R$ 6,6 bilhões), servindo clientes que possuíam dólares no exterior e precisavam obter reais no Brasil.
A família Matalon é uma tradicional família de doleiros que atua no mercado de câmbio ilegal em São Paulo desde a década de 1990 e que manteve uma parceria com os Messer, do Rio, protegendo-se das autoridades.
Mordko Messer, dono da Antur Turismo, era amigo de Marco Matalon, dono da Rosetur. Até 2003, com a transferência das operações para o Uruguai, as duas famílias movimentaram grandes montantes de dólar paralelo no país.
DÓLAR-CABO
As operações de dólar-cabo funcionam de duas maneiras. Na primeira, o cliente entrega reais em espécie no Brasil para ter dólares creditados em suas contas no exterior. É comum no caso de agentes públicos que querem enviar propina para o exterior e de empresas sonegadoras de impostos que querem importar bens.
Na segunda maneira, o cliente transfere dólares em contas no exterior e recebe em espécie, em reais, no Brasil. É o caso de empresas que precisam de reais em espécie para corromper agentes públicos no país.
As transações ilícitas costumavam acontecer por meio de contas registradas em nome dos doleiros. Com o combate à lavagem de dinheiro e o fechamento destas contas, os doleiros passaram a intermediar clientes que queriam comprar e vender dólares, cobrando uma taxa de cada uma das pontas.
Assim, o doleiro é responsável pela indicação dos dados da conta que receberá dólares para o cliente que venderá dólares, assim como pelo transporte dos reais em espécie. Com informações da Folhapress.
Fonte: Notícias Ao Minuto
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil