Prisão em 2ª instância é alvo de “operação abafa” no Congresso
Com ações que tratam do tema no STF paradas, projetos de lei encontram dificuldades de tramitação na Câmara e no Senado
Dois meses após o ex-presidente Lula ir para a cadeia, a prisão depois de condenação em segunda instância continua sendo alvo de polêmica. Enquanto ações que tratam do tema no Supremo Tribunal Federal (STF) aguardam julgamento, a questão, agora, coloca em pé de guerra membros das Comissões de Constituição e Justiça (CCJs) da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
O motivo da disputa são dois projetos de lei com o objetivo de incluir na Constituição dispositivos que permitam a execução da pena após sentença em segunda instância. Caso essas propostas sejam aprovadas, o papel do Supremo na interpretação sobre o tema diminui, e a suspensão de detenções nesses termos fica mais improvável. Além do caso de Lula, a possível mudança deve atingir diversos outros investigados na Operação Lava Jato.
Um desses projetos é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 410/2018, de autoria do deputado Alex Manente (PPS-SP). A PEC 410/2018 pretende alterar o texto da carta magna, inserindo o seguinte trecho: “Ninguém será considerado culpado até a confirmação de sentença penal condenatória em grau de recurso”. Atualmente, a Constituição prevê que o réu só será culpado após trânsito em julgado da sentença. Ainda assim, as prisões em segunda instância são permitidas por causa de entendimento do STF. Com a mudança, a possibilidade passaria a ficar explicitamente permitida na lei.
“Acreditamos que o princípio da presunção de inocência já está garantido, pois, no processo penal, é dever da acusação trazer provas para a condenação do acusado. Mesmo com provas suficientes para a condenação em primeira instância, ainda assim o réu poderá recorrer pela reforma da decisão”, diz trecho da PEC 410/2018.
A principal barreira contra a aprovação do projeto na Câmara é a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, que proíbe a votação de emendas à Constituição durante o período de sua vigência. No entanto, o relator da matéria na CCJ, deputado Rubens Bueno (PPS-PR), afirma que tem encontrado dificuldade até para propor audiência pública e adiantar a leitura do relatório, pois, para ele, grandes partidos estariam obstruindo os trabalhos da comissão.
Segundo o parlamentar, siglas como PT e MDB estão “embarreirando” a discussão do assunto, embora o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tenha afirmado que PECs podem tramitar, mas não serem votadas. “Eu sempre defendi que pode emendar PEC, mas não pode é votar em plenário. E não considero que isso seja uma cláusula imutável, até porque tem voto do ex-ministro do STF Sepúlveda Pertence dizendo que não existe cláusula pétrea que não possa ser modernizada”, rebateu.
O entendimento de Bueno é diferente do líder do PT na Câmara, deputado Paulo Pimenta (PT-RS). Para ele, a proposição é inconstitucional por interferir em direitos fundamentais. “Não há previsão que PEC retire direitos, que trate de cláusula pétrea, por isso ela não tem condições de ser acolhida”, afirmou.
Em maio, o deputado federal Leonardo Picciani (MDB-RJ) apresentou parecer contrário a qualquer tramitação de PECs durante a intervenção federal. No relatório, o parlamentar acatou recurso apresentado pela deputada Maria do Rosário (PT-RS) contra a decisão de Rodrigo Maia de proibir apenas a votação desses projetos durante o período. O posicionamento ainda não foi analisado pela CCJ.
Questionada pela reportagem, a assessoria da Presidência da Câmara reafirmou que, em seu entendimento, as PECs não podem ser votadas, mas a tramitação delas internamente está permitida. “Nada impede que a proposta seja despachada à Comissão de Constituição e Justiça, que se limita a analisar a admissibilidade da matéria, e, ainda, que possa receber emendas e parecer da comissão especial para fins da instrução da matéria”, disse trecho de texto enviado pela assessoria de Rodrigo Maia.
Enquanto o projeto fica estacionado, o autor da PEC em questão, deputado Alex Manente, tenta conseguir apoio popular. O parlamentar considera o STF seletivo, pois, segundo ele, lá só chegam processos conduzidos por grandes advogados. “Vamos começar a colher assinaturas para um abaixo-assinado. Em muitos casos, o crime prescreve sem condenação. O mais justo, a meu ver, seria o cumprimento da pena a partir de uma condenação colegiada em segunda instância”, avaliou.
Senado
Já no Senado Federal, o motivo de atrito é o Projeto de Lei do Senado (PLS) 147/2018, de autoria de Cassio Cunha Lima (PSDB-PB). Diferente da proposta tramitando na Câmara, esta pretende alterar o Decreto-Lei nº 4.657 e acrescentar que “para fins de cumprimento de sentença penal condenatória, o trânsito em julgado será considerado a partir da condenação em 2º grau”. Como o projeto não altera a Constituição, não está restrito durante a intervenção federal e já pode ser votado.
O relator da proposta na CCJ da Casa, senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), manifestou-se pela aprovação do projeto. A matéria chegou a ser incluída na pauta da última quarta-feira (6/6) da comissão, mas não foi votada: no momento da análise do PLS, a sessão foi esvaziada, e a discussão, encerrada. A expectativa dos autores é que a proposição seja apreciada na próxima semana.
Supremo
Enquanto os projetos de lei ficam barrados no Congresso Nacional, os processos que tratam do tema no Supremo Tribunal Federal continuam à espera de julgamento. Ao todo, são três ações diretas de constitucionalidade (ADCs) sob a relatoria do ministro Marco Aurélio Mello. Duas delas estão liberadas para julgamento na Corte desde dezembro do ano passado, e a terceira, desde abril de 2018.
A atual jurisprudência da Corte entende que a execução penal após condenação em segunda instância é constitucional e não fere o direito à presunção de inocência. O entendimento foi firmado pelo plenário do Supremo em 2016, por 6 votos a 5, e reafirmado durante o julgamento de habeas corpus (HC) impetrado pelo ex-presidente Lula, em abril deste ano.
Daniel Ferreira/Metrópoles
Apesar da confirmação recente, um grupo de ministros espera uma mudança no entendimento da Corte, por meio da análise dessas ADCs. Durante o julgamento do HC de Lula, o voto decisivo foi o da ministra Rosa Weber. Em 2016, ela foi contra a execução da pena após segunda instância, mas se posicionou na corrente contrária, no caso do ex-presidente. Durante a análise do processo, ela afirmou que um habeas corpus não seria a ferramenta correta para a mudança de entendimento sobre a prisão após segunda instância. Caso estivesse sob julgamento uma ação direta de constitucionalidade, declarou, seu entendimento poderia ser outro.
Portanto, existe a possibilidade de que Weber e o ministro Gilmar Mendes, que hoje também critica o entendimento vigente, ajudem a formar maioria contra a execução penal em segunda instância. A análise dos processos, no entanto, depende da colocação em pauta pela presidente do STF, ministra Cármen Lúcia.
Desde o início deste ano, ela afirma não ver necessidade de reanálise do tema – e não deve mudar de opinião nos últimos três meses do mandato. Em setembro, o ministro Dias Toffoli, que também é contra a jurisprudência atual, assume o cargo e pode estar disposto a colocar a questão em debate.
Fonte: Metrópoles
Foto: Antônio Cruz/Divulgação