Projeto da Novacap mostra que gestores sabiam de riscos no Eixão
Documento derruba versão de diretores da empresa pública, os quais afirmaram que a Companhia nunca foi demandada para fazer reparos no local
Logo após a queda do viaduto sobre a Galeria dos Estados, no Eixão Sul, em 6 de fevereiro, começou uma caçada, dentro e fora dos gabinetes do Governo do Distrito Federal, por responsáveis pelo acidente. Desde então, membros do alto escalão do governo e servidores empurram responsabilidades e trocam acusações.
O Metrópoles teve acesso a documentos que comprovam: os diretores da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) tinham conhecimento sobre a urgência de reparos no viaduto que desabou. E mais: o projeto para a reforma da estrutura está parado no órgão desde 2014, mesmo sendo considerado prioritário.
O último alerta sobre a situação e a necessidade de intervenções foi elaborado pelo Departamento Técnico da Novacap, em maio de 2017 – menos de um ano antes do desastre em uma das mais importantes estradas do DF. O relatório, encaminhado para a Diretoria de Obras Especiais do mesmo órgão, reúne informações sobre o projeto para a readequação de três viadutos, nos eixos Rodoviário, W e L, sobre a Galeria dos Estados. O documento apresenta também um levantamento de 2014 sobre a situação precária das estruturas.
A conclusão do relatório é categórica: “Justificam imediatas obras de reforço e readequação, desde 2014, com nível de prioridade nas ações do governo”. E completa: “A execução de obras de tal natureza visa assegurar as condições plenas de segurança e a durabilidade dessas construções, além de preservar os investimentos realizados desde a implantação; e a não efetivação de intervenções essenciais pode ocasionar eventos de consequências irreparáveis”.
Confira:
Busca por culpados
Ainda no dia do desabamento, o governador Rodrigo Rollemberg admitiu que a estrutura não havia recebido manutenção – e, segundo afirmou, Brasília estava envelhecendo. O então diretor do Departamento de Estradas de Rodagem (DER-DF), Henrique Luduvice, disse que faltou verba, e a Novacap lavou as mãos, alegando não ter sido demandada.
No dia seguinte ao desastre, foi cortada a primeira cabeça. Rollemberg anunciou a exoneração de Henrique Luduvice, diretor-geral do DER-DF. O posto foi imediatamente ocupado por Márcio Buzar, até então diretor de Edificações da Novacap. A justificativa foi técnica, mas a decisão revoltou servidores do DER que consideraram a culpa injustamente atribuída ao órgão, responsável pelo Eixão.
Em uma sabatina promovida pela Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) na última semana, o atual diretor do DER e seu antecessor se enfrentaram. Mesmo fora da Novacap, Buzar defendeu a companhia na ocasião: “A Novacap não pode ser responsabilizada. Ela precisa ser demandada”. Buzar ainda alfinetou o antecessor: “Acho ruim você [Luduvice] ficar pedindo solidariedade aos servidores. Para a Novacap atuar, é preciso a demanda e o recurso específico”.
Respostas
Questionado pelo Metrópoles, o atual diretor-geral do DER e ex-diretor de Edificações da Novacap, Márcio Buzar, recuou sobre o desconhecimento da companhia e a ausência de demanda para reparos, mas reafirmou a ausência de recursos para as obras.
“A Novacap sempre soube, mas ela é uma empresa. Não pode fazer obra por conta própria, precisa de um termo de cooperação, de um convênio. Não há fonte própria, então só é possível fazer uma obra quando há projeto e recurso”, explicou. A reportagem tentou entrar em contato com o diretor-presidente da Novacap, Júlio Menegotto, mas não havia recebido retorno até a última atualização deste texto.
O projeto
Como já mostrou o Metrópoles, a Novacap contratou empresa para começar reforma do viaduto, desistiu e não pagou. Em 2012, a Companhia assinou contrato no valor de R$ 694 mil com a SBE Soares Engenharia. A estatal teria que prestar consultoria especializada para o desenvolvimento dos projetos executivos necessários à recuperação estrutural dos viadutos sobre a Galeria dos Estados (dos eixos Rodoviário, W e L), incluindo a passarela de ligação, platôs laterais e instalações elétricas e de esgoto.
A empresa entregou os projetos, mas não recebeu parte dos recursos. Embora contratado na gestão do então governador Agnelo Queiroz (PT), em outubro de 2015, o serviço foi prorrogado na gestão Rollemberg, quando empresa e Novacap assinaram o décimo primeiro termo aditivo. As decisões foram tomadas em reuniões colegiadas da diretoria da Novacap, que tinha entre os membros o agora diretor do DER, Márcio Buzar.
Planejada por Lúcio Costa, a Galeria dos Estados faz parte de conjunto arquitetônico tombado como Patrimônio Cultural da Humanidade. Por conta dessa característica, os projetos chegaram a ser submetidos e aprovados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). De acordo com o plano inicial, a obra, estimada em R$ 13 milhões, deveria entrar no pacote de investimentos para a realização da Copa do Mundo em Brasília. Dois dias após o desabamento, a Novacap consultou o projeto de 2012.
Outros alertas
O relatório sobre a situação precária da Galeria dos Estados feito em 2014 pela Novacap – e utilizado no alerta de 2017 – detalha a situação precária dos viadutos no Eixão e nos Eixinhos. Parte do primeiro desabou, mas os outros dois continuam de pé e estão recebendo mais veículos desde a construção de desvios para amenizar o trânsito na região.
No viaduto do Eixo W, o relatório aponta a ocorrência de armaduras expostas na laje e rachaduras no pavimento asfáltico, o que permite a infiltração de água no interior da estrutura.
No elevado do Eixo L, também foi constatada a presença de fissuras que permitem infiltrações, além de armaduras expostas nos pilares, no interior do viaduto, e infiltração na laje da marquise.
Fonte: Metrópoles
Foto: HUGO BARRETO/METRÓPOLES