Projeto de professor brasiliense transforma vida de alunos no Ceará
Rodrigo Nóbrega lidera publicação da revista feita por estudantes do Ensino de Jovens e Adultos (EJA). A publicação atraiu olhares do Google
A 1,8 mil quilômetros do Planalto Central, no interior do Ceará, um professor brasiliense capitanea um projeto que tem transformado a vida de dezenas de pessoas. Elas abandonaram o ambiente escolar na infância e na adolescência e, hoje, na fase adulta, recuperam o tempo perdido nos estudos. Graças a Rodrigo Nóbrega Martins, 39 anos, alunos de Crato e outros municípios cearenses elaboram a revista on-line “Discentes”. Em menos de um ano, a publicação atraiu olhares da principal empresa de serviços na web e softwares no mundo, a americana Google.
O trabalho também alçou seu mentor, no mês passado, ao mais importante prêmio nacional da categoria, o Professores do Brasil, concedido pelo Ministério da Educação (MEC). Na 10ª edição, seis docentes foram premiados, Rodrigo Nóbrega foi o único brasiliense.
“Quando lancei a ideia, em fevereiro de 2017, em uma sala de aula, não imaginei que daria certo e haveria tanta repercussão. Eu quis romper os limites da produção textual. O aluno escreve para o professor, mas há textos tão bacanas que não devem ficar só na escola”, contou. A primeira edição da revista foi ao ar em maio. Dois meses depois, tinha mais de 8 mil acessos.
A marca, considerada alta por Rodrigo por se tratar de uma estreia, o encorajou a obter o único identificador de padrão internacional para publicações seriadas (o ISSN), o que possibilita precisão no controle e periodicidade. Por causa disso, a revista deverá ser publicada em intervalo regular, será bimestral a partir da próxima edição, prevista para o início de fevereiro.
Desafios
No caminho até o lançamento da primeira edição, o professor superou obstáculos. O principal deles foi elevar a autoestima dos estudantes. Dos 44 alunos da turma, 20 fazem parte da equipe que compõe a revista. Quem não topou integrar o trabalho, segundo Rodrigo, julgava-se incapaz e sem inteligência. “Procuro convencê-los do contrário”, afirmou. Dos 25 textos publicados na ocasião, os aprendizes do brasiliense escreveram somente três.
A revista é dividida em setores de produção textual, arte, fotografia e diagramação. Obras de estudantes de outras cidades cearenses também compõem a publicação. Nela, há contos e entrevistas. Além disso, durante a produção, Rodrigo supervisiona e orienta os alunos. Após o fim da montagem, a revista chega às mãos dele, para revisão final, último passo para ir ao ar.
Vanessa Alves, 23, é uma das estudantes que superaram o medo e a desconfiança. Em 2010, ela interrompeu os estudos, no ensino médio, durante a gravidez. Retomou as aulas em 2017 e realizou sonho de publicar seus textos.
“Sempre gostei de escrever o que gosto de ler: romances e comédias. Mas tive de parar por sete anos. Agora, tenho essa oportunidade de novo. Meus amigos e família leem, elogiam, é muito gratificante”, disse. E Vanessa ainda vai além, tem planos de concluir uma graduação em administração ou pedagogia.
Aprimoramento
Semanas após o lançamento da segunda edição da revista, Rodrigo se espantou ao abrir a caixa de e-mail: uma mensagem com elogios do Google. No correio eletrônico, a gigante multinacional convidou o professor a participar de curso de capacitação para brasileiros que usam ferramentas da companhia.
“Eles disseram ter gostado do projeto porque trata de inclusão. Trabalha com uma parcela que, geralmente, é deixada de lado”, conta.
Início do sonho
Quem vê Rodrigo Nóbrega enraizado no interior do Ceará há mais de duas décadas não imagina que a ideia de trabalhar no ensino de jovens e adultos nasceu em Brasília. Ex-aluno da rede pública de ensino do DF, nos centros de Ensino Médio Elefante Branco (Asa Sul) e Educacionais 01 (Cruzeiro) e 04 (Sobradinho II), o professor abriu mão de cursar direito na Universidade de Brasília (UnB). Ele foi aprovado na seleção para um dos cursos mais concorridos da instituição de ensino superior.
Quando retornou à capital da República, Rodrigo contou à avó, com quem morava havia 10 anos, que abdicaria do direito. “Ela quase infartou”, relembra. “Eu tinha começado no curso por causa de dinheiro e concurso. Brasília já era cidade conhecida por isso”, explicou.
No fim daquele ano, arrumou as malas novamente com destino ao interior cearense. Daquela vez, foi para ficar. Ingressou na Universidade Regional do Cariri (Urca), no Ceará, onde se formou em pedagogia. Depois, conquistou diploma em letras, pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Ambição
Após encerrar, em 2017, o ano mais glorioso de sua carreira, Rodrigo passou a vislumbrar desafios mais ousados. Entre eles, o Global Teacher Prize, prêmio criado em 2014 para valorizar docentes que tenham contribuído de forma marcante na profissão, por meio de práticas inovadoras em aula. A cerimônia de entrega ocorre ao fim de cada ano, em Dubai, nos Emirados Árabes. Rodrigo planeja inscrever o projeto em abril.
Fonte: METRÓPOLES
Foto: LAURO MEDEIROS/MEC