Quando o Estado erra, quem protege o cidadão?

Brasileiros em diferentes partes do país são vítimas de erros praticados pela fragilidade da checagem de dados e identidades no país

Prisões indevidas, erros de identificação e falhas no sistema judiciário colocam em risco a vida e a dignidade de cidadãos inocentes. Casos recentes em diferentes partes do Brasil expõem as consequências devastadoras de um Estado que falha em garantir a segurança e os direitos individuais. O que acontece quando a própria estrutura que deveria proteger o cidadão se torna a responsável por graves injustiças?

No Rio de Janeiro, Débora Cristina da Silva Damasceno, de 42 anos, procurou a delegacia para denunciar as agressões do marido e pedir medidas protetivas. No entanto, ao invés de ser acolhida, acabou presa devido a um mandado de prisão expedido pela Justiça de Minas Gerais. O motivo? Uma confusão de identidade: ela foi tratada como uma criminosa procurada por tráfico de drogas.

Débora permaneceu detida por três dias até que o erro fosse reconhecido e sua liberdade restabelecida. “Passei os piores dias da minha vida. Só peço que, antes de condenarem as pessoas, olhem mais, pesquisem mais, antes de julgarem uma vida”, desabafou. O caso gerou indignação e acendeu o alerta para a fragilidade dos sistemas de verificação de identidade no país. 

Em fevereiro deste ano, Gustavo Rodrigo Ferreira Lopes, de 20 anos, morador do Distrito Federal, foi surpreendido ao ser preso por não pagar pensão alimentícia. O detalhe? Ele nunca foi pai. O mandado de prisão estava vinculado a um processo iniciado em 2017, quando Gustavo tinha apenas 12 anos.

O jovem passou mais de 24 horas detido até que o erro fosse reconhecido. “Foi horrível passar por isso sem ter culpa”, relatou Gustavo. Seu advogado já entrou com uma ação contra o Estado por danos morais. O caso levanta questionamentos sobre a negligência na análise de documentos e processos judiciais.

Outro caso emblemático ocorreu em Belém do Pará no último dia 14 de março, onde um servidor público estadual de 70 anos foi preso acusado de integrar uma quadrilha de fraude bancária. O idoso, que sofre de problemas de saúde, teve seu CPF utilizado ilegalmente por criminosos e, mesmo sem possuir conta no banco envolvido no crime, acabou encarcerado.

Ele continua preso enquanto sua defesa busca reverter a decisão. A situação evidencia um problema ainda maior: a falta de proteção contra crimes de falsidade ideológica e o impacto dessas falhas na vida de pessoas inocentes. “Minha família está dilacerada, meu pai nunca cometeu uma irregularidade, tudo que ele fez na vida foi trabalhar e cuidar da família, e apesar de ter sido vítima de um crime cada vez mais comum no país, ele foi preso e mandado para o presídio. Ele não teve chance de defesa, usaram o CPF dele, que está aí na internet, como os dados de todos nós”, declarou Karina Pinto, filha do idoso.  A prisão foi revogada após 8 dias de detenção e já está em liberdade.

Casos como esses revelam um problema crônico no Brasil: a precariedade dos mecanismos de segurança jurídica e a falta de rigor nas investigações antes da execução de mandados de prisão. Para o advogado Wallyson Soares, vice-presidente da Comissão Eleitoral da OAB do Piauí, essas falhas têm consequências graves.

“O Estado tem o dever de proteger os cidadãos, e isso inclui garantir que seus dados sejam preservados e que investigações sejam conduzidas com precisão. Quando um erro acontece, ele destrói vidas, mancha reputações e coloca em xeque a confiança da sociedade no sistema de Justiça”, explica.

A prisão de inocentes não apenas viola direitos básicos, mas também causa danos emocionais e sociais irreparáveis. Muitos enfrentam dificuldades para retomar a vida após a injustiça, além de carregar um estigma difícil de superar.

Casos como os de Débora, Gustavo e do servidor paraense demonstram que é urgente revisar e modernizar os sistemas de identificação e apuração policial. Especialistas defendem medidas como o aprimoramento de bases de dados para evitar erros de identidade; checagens mais rigorosas antes da emissão de mandados de prisão; revisão dos mecanismos de proteção de dados pessoais para prevenir fraudes e falsidades ideológicas; criação de uma política de reparação eficaz para vítimas de erros do Estado. 

“Enquanto essas mudanças não acontecem, mais brasileiros correm o risco de serem punidos injustamente por crimes que não cometeram. A quem recorrer quando é o próprio Estado que erra? Essa é uma questão que precisa ser respondida com urgência”, conclui Wallyson.

Fonte: KP Comunicação

Por Karina Pinto

Foto: banco de dados/Freepik

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