Quem está por trás da tentativa de destruição da Lava Jato?
Por Luiz Flávio Gomes (*)
Moro, em sua sabatina na CCJ do Senado (19/6/19), disse: “A minha opinião particular é que existe um grupo criminoso organizado por trás desses ataques. Há uma grande quantidade de pessoas que sofreram invasões [de celulares], o que aponta para a possibilidade de que não seja um hacker isolado”, afirmou o ministro.
Teorias conspiratórias e especulações não faltam. Seria gente da própria Lava Jato? Seriam grupos que querem interferir na agenda eleitoral de 2022? Seriam os ameaçados ou atingidos pela Operação, que querem manter a reinante impunidade?
Outra interpretação possível seria a seguinte: quem está por trás (agora) da tentativa de desmoronamento da Lava Jato pertence ao mesmo grupo corrupto que ficou o tempo todo (por cinco anos) por trás da operação dando-lhe todo apoio necessário (jurídico, logístico e midiático).
No final do século XIX, nos EUA, o grupo que lá dominava a disseminada corrupção era conhecido como Barões Ladrões. É gente poderosa, saída das oligarquias dominantes, que governam ou mandam na nação.
No Brasil pode-se afirmar com segurança que em cada momento histórico existiram setores mais destemidos nas elites que descaradamente saquearam (e saqueiam) o dinheiro público desde 1500, por meio de pactos oligárquicos que asseguram seus privilégios relacionados com o exercício do poder.
Eis uma tese possível: onde as oligarquias regentes (as elites) comandam as instituições (a economia, o Parlamento, as cúpulas da Justiça – indicadas por elas -, a mídia, os intelectuais etc.), as operações de combate à corrupção só prosperam quando atendem momentâneos interesses (para eliminar algum player do jogo, por exemplo). O “sistema” mantém o controle sempre.
Quando um grupo econômico ou político quer aniquilar um adversário, é possível que o Judiciário entre em campo numa longa operação com toda força da lei. Atingidos seus propósitos, os barões ladrões fazem de tudo para tirar a Justiça da sua frente (não querem saber de nenhum obstáculo impeditivo da satisfação das suas ganâncias e voracidades). Assim funciona o “sistema”.
A ligação entre poder, dinheiro e corrupção existe no mundo todo. Durkheim (As regras do método sociológico, 1895, citado em Poder e Corrupção no Capitalismo, Fundação Perseu Abramo) afirmou:
“Corrupção é um fato social normal [leia-se: frequente, generalizado, universal]; mas não normal porque devemos normalizá-la ou deixar de combatê-la, é normal porque existe em todas as épocas e passa por todas as classes em todos lugares, nem sempre da mesma forma ou com os mesmos interesses”.
Nunca nenhum País deixou de ter um grupo de oligarcas (os poucos que governam e dominam) que se encarrega das devidas conexões entre o Público e o Privado (entre o Estado e o Mercado), formando uma teia intrincada de interesses, vantagens, proveitos e ganhos, sempre em detrimento dos bens e interesses públicos (sejam estatais, sejam os da população).
Todo País em todas as épocas sempre teve seu informal clube dos Barões Ladrões. Na Bíblia, na Grécia, em Roma, na Idade Média, no Renascimento, na era moderna, em países capitalistas ou comunistas, acima ou abaixo da linha do equador: não há país no mundo, em todas as épocas, em que não tenha havido corrupção assim como um grupo de rapinadores voltados para o saqueamento da nação.
Em um sistema político e econômico extremamente corrupto e fechado como o nosso, sistema esse subjugado (a ferro e fogo) pelas oligarquias que dominam todas as instituições (jurídicas, políticas, econômicas e sociais), jamais prosperará qualquer tipo de operação de limpeza geral da corrupção sem o “controle” (sem o apoio logístico) das elites hegemônicas.
Se corretas as premissas que acabam de ser postas, a Lava Jato chegou onde chegou porque setores políticos e econômicos potentes deram-lhe o apoio necessário. Ela terá sido instrumentalizada (jurídica, econômica e politicamente) por um grupo de larápios (invisível) que agora, por meio de hackers e sofisticadas tecnologias (que custam milhões), estaria disposto a destruí-la.
Em um determinado período a Lava Jato foi muito conveniente para esse grupo criminoso (que queria se desfazer de alguns dos seus membros). Agora a Lava Jato se tornou uma pedra no sapato deles.
Moro no Ministério da Justiça com todo aparato estatal que montou pode chegar facilmente em membros do referido clube até agora intocados (elites do sistema financeiro, por exemplo).
Ou seja: Moro, no governo, como superministro, se tornou um perigo. Os perigosos devem ser eliminados.
É isso que explicaria os vazamentos relacionados com a sua atuação como juiz (que podem ensejar a anulação de alguns processos, em razão da violação das regras procedimentais e constitucionais vigentes).
É um equívoco supor que todos que o apoiaram como juiz queiram agora derrubá-lo. Os mais fieis podem não abandonar o barco. É muito difícil a convergência de todos os interesses antagônicos (e singularizados) que alimentam as expectativas de ganhos dos membros do clube dos Barões Ladrões.
Cada ladrão do dinheiro público (cada empresa, cada pessoa, cada entidade) tem seus interesses particulares. De vez em quando há convergência entre eles (por exemplo, quando se trata da expulsão de um sócio que se tornou inconveniente). Mas isso é raro. O normal é que se cada um atue isoladamente ou que formem pequenos grupos em cada momento histórico.
As divergências entre os barões ladrões (que dominam a rapinagem do dinheiro público) são frequentes. Parte do clube agora gostaria de destruir a Lava Jato porque ela passou a representar grande ameaça para seus interesses. Mas é evidente que um objetivo dessa envergadura não conta com unanimidade.
A divergência é natural. Quando a sobrevivência do grupo é colocada em risco, volta a união holística de todos, em torno dos seus interesses pétreos. Todos atuam em conjunto, nesses momentos críticos, em defesa da confraria (e da festança com o dinheiro público).
Dentro da lei, nós temos que combater duramente esses barões ladrões saqueadores do Estado e da população. As invasões de conversações privadas devem ser investigadas e punidas. Ao STF compete examinar a atuação do juiz Moro. Do ponto de vista ético não há como não esperar o império da lei.
* Luiz Flávio Gomes, Professor, Jurista e Deputado Federal Contra a Corrupção.
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Fonte: Assessoria de Imprensa – Por Fernanda Müller – Foto: Arquivo/BIFN