Saulo Michiles: “As Startups podem trazer ganhos expressivos para o mercado brasileiro”
Brasília – Conhecido no mundo jurídico como “Dr. Startup”, Saulo Michiles concedeu uma entrevista exclusiva para o site Justiça Em Foco. Na oportunidade, o professor da Pós-Graduação de Negócios Disruptivos do Instituto de Ensino Superior de Brasília (IESB) falou sobre os desafios no mundo empresarial da atualidade. Há cerca de dez anos em trabalhos na área do Direito Empresarial, o entrevistado se aprofundou em um segmento pouco explorado: o Direito de Startups.
A seguir, trechos da entrevista:
Justiça Em Foco: Quais são os maiores entraves no Direito Empresarial?
Saulo Michiles: Hoje um dos entraves para a atuação no Direito Empresarial, do ponto de vista do advogado, é conseguir acompanhar as modificações que o mercado empreendedor demanda. Sabemos que o Direito tende a ser uma Ciência um pouco mais lenta de acompanhar as mudanças da realidade. Mas no mercado atual, que é um setor dinâmico no qual as empresas se transformam a todo momento e a forma de se negociar tende a se alterar instantaneamente, o maior desafio para o advogado que atua especificamente no Direito Empresarial é acompanhar essas modificações.
Justiça Em Foco: O que pode ser encarado como o maior desafio no setor empresarial?
Saulo Michiles: É a questão tributária e a burocracia, sem dúvida. Esses são dois grandes entraves no setor empresarial brasileiro como um todo. A burocracia torna mais difícil você montar, fechar ou até transformar o seu negócio. Quando eu falo mais difícil, engloba tempo e custo e a questão tributária da mesma forma, pois não nos cansamos de alertar que a carga tributária brasileira é altíssima e absurda.
Além disso, o emaranhado tributário da dificuldade que o empresário tem para saber qual imposto deve pagar gera grande desconfiança e insegurança jurídica. Por mais que o empreendedor tente pagar o tributo correto, pode ser que ele esteja pagando o tributo equivocado. Se ele não tiver uma boa assessoria jurídica e contábil como base de apoio, tudo isso pode gerar mais custos pelo fato de o empresário ter que contratar mais profissionais para lhe dar orientações burocráticas. Então, tudo isso gera um grande entrave no setor empreendedor brasileiro.
Justiça Em Foco: O cenário está positivo para as empresas, em um país que acaba se sair de uma ampla recessão econômica?
Saulo Michiles: Podemos considerar que o cenário atual é positivo comparado com os últimos três anos, período que viemos de um declínio econômico, entramos em uma recessão e agora de acordo com os indicadores parece que despontamos dessa recessão. Juntamente com a troca de governo, que tende a ser sempre muito esperançosa, e promete medidas benéficas para o setor empresarial, a avaliação deste cenário é muito positiva, se comparado com os últimos anos. No entanto, pode melhorar muito. No Ranking de Liberdade Econômica, que mede a liberdade de fazer negócios, investimentos e a facilidade para abrir e fechar empresas, o Brasil está na colocação 153º em um total de 180 países. Essa situação do Brasil ainda pode muito ser melhorada.
Justiça Em Foco: O Direito Trabalhista interfere de maneira positiva ou negativa no Direito Empresarial?
Saulo Michiles: Não interfere, mas eu avalio que o Direito Trabalhista é um irmão do Direito Empresarial. Não temos como dissociar completamente a seara Empresarial da Trabalhista. Por que? Todo empresário que demanda um conhecimento jurídico, uma assessoria jurídica no ramo do Direito Empresarial, ele terá que ser assistido também por alguém com conhecimento na área trabalhista. É intrínseco na atividade empresarial a questão do Direito do Trabalho, por ser uma área ainda muito regulamentada, mesmo após a Reforma Trabalhista. Ou seja, o Direito Empresarial anda de mãos dadas de um lado com o Direito Trabalhista e do outro lado está o Direito Tributário. É impossível dissociar essas áreas completamente.
Justiça Em Foco: A Reforma Trabalhista modernizou as relações empresariais?
Saulo Michiles: Sem dúvida. Ainda há muita coisa a ser feita para desburocratizar as relações empresariais, mas a Reforma Trabalhista foi um grande avanço porque gerou flexibilização do que pode ser feito entre empregador e empregado. Ela [Reforma Trabalhista] modernizou e dinamizou essas relações, trazendo segurança jurídica para o empregador. Isso com certeza terá um reflexo grande em termos de geração de emprego e crescimento econômico.
Justiça Em Foco: Como uma possível Reforma Tributária é vista no ramo empresarial, pode facilitar a atuação do Direito Empresarial em qual sentido?
Saulo Michiles: Do ponto de vista do empresário, essa reforma será muito bem-vinda. Conforme já citado, existem dois problemas no setor empresarial brasileiro. O primeiro é a alta carga tributária e o segundo é a burocracia. Por existir uma ampla variedade de impostos, muitas vezes os empresários não sabem qual tributo devem recolher. Além disso, é muito difícil pagar imposto no Brasil.
Se a Reforma Tributária viesse apenas para simplificar, mesmo com essa carga tributária, já seria um grande avanço. Ao facilitar a maneira de pagar imposto gera redução de custo e esse fator impacta diretamente em toda a população, por implicar diretamente na redução de preços e na economia como um todo. Um outro impacto será no crescimento da concorrência e na facilidade de fazer negócio, que resulta na geração de emprego.
O impacto na atuação do advogado no Direito Empresarial em si, será facilitado também. Porque deixaria de ter normas ou questões nebulosas, com diversas maneiras de interpretar, para adentrar em uma questão mais simplificada. A nossa atuação como advogado, tanto no consultivo como no contencioso, seria facilitada. E a vida do empresário seria mais facilitada, trazendo benefício para todo mundo.
Justiça Em Foco: Hoje com a modernização do setor empresarial tem surgido um sub-nicho, que seriam as Startups. Como que elas se aplicam ao Direito Empresarial? O que seria o Direito das Startups?
Saulo Michiles: Costumo dizer que o Direito das Startups é o Direito Empresarial do mais alto nível, em complexidade e profundidade. Um nível de direito empresarial societário que só era visto há dez, quinze anos em grandes empresas, registradas em bolsas de valores ou em multinacionais. Então institutos do Direito Societário só eram vistos nesse nível empresarial que agora desceu ao nível zero. Aquele pessoal que está começando já começa a ter esse tipo de demanda a esse nível de complexidade.
O Direito de Startups envolve o Direito Societário, Contratual, Tributário, Lei Geral de Proteção de Dados que é uma novidade e juntos, em um grande nível de complexidade, traz para o chão. Traz para o empreendedorismo que está começando com poucos recursos, que sequer registraram suas empresas ainda, mas tem razões para demandar esse grau de complexidade. Porque amanhã ou depois eles vão estar recebendo alto grau de investimento, podendo ter crescimento exponencial e precisam estar preparados juridicamente para tal situação.
Justiça Em Foco: Para os advogados que desejam atuar nesse nicho, qual o tamanho desse mercado?
Saulo Michiles: É um mercado gigantesco, porque o foco do empresariado está se modificando. Estamos passando por uma grande transformação econômica e empresarial de um modelo de negócios tradicional, que envolve um modelo de gestão tradicional, com diversas outras circunstâncias que envolvem esse modelo físico, em migração para o modelo digital. Mas não é apenas isso, somente migrar do modelo físico para o digital, é uma mudança de mentalidade, na gestão, no modo de enxergar o cliente, no modo de enxergar a atividade empresarial em si.
Então eu digo o seguinte: o mercado empresarial e o mercado jurídico, o Direito Empresarial, ele está saturado, é o que se chama de “Mercado de Oceano Vermelho”. Tem muita gente nesse mercado, mas quando se faz uma revolução no mercado ele tende a criar um “Oceano Azul” do outro lado, aquele oceano pouco navegável, com muita disponibilidade de cliente e de atuação, mas com poucos profissionais explorando ainda. Vivemos nessa fase de transição.
O advogado que deseja atuar nesse oceano azul tem que ter essa modificação de comportamento e de pensamento. É necessário entender que essa mudança aconteceu no mercado e precisa se preparar tecnicamente. Não é apenas a questão da postura e de atitude.
O Direito de Startups é profundo e nas faculdades do Brasil não é ensinado no nível de exigência que o mercado tem. Tem que buscar outras maneiras de aprendizado se aprofundar tecnicamente para poder atender o cliente. Já conversei com empreendedores de Startups que conhecem mais sobre Direito Societário do que alguém que acabou de sair da faculdade. A justificativa para isso é que o Direito Societário aplicado nas faculdades ainda é muito tradicional. Na verdade, todo o ensino jurídico no Brasil hoje ainda é muito tradicional, muito voltado para a academia e com pouco foco no mercado.
Justiça Em Foco: Qual o impacto que as Startups podem ter na economia brasileira?
Saulo Michiles: Com essa modificação do Mercado Empresarial, as Startups podem trazer mudanças gigantescas para o mercado brasileiro. Um grande exemplo é o Nubank, que entrou em um mercado com gigantescos players, grupos com faturamento de bilhões de reais ao ano, um mercado cheio de barreiras de entrada. Pouca gente tinha coragem de pensar em empreender nesse mercado, de instituições financeiras.
Aí vem uma Startups com essa mentalidade completamente diferenciada, ousa inovar nesse mercado tradicional, e entra quebrando paradigmas. Hoje se caracteriza como unicórnio, uma empresa avaliada em bilhões de dólares. Essa empresa é revolucionária e disjuntiva e cito como um exemplo de como as Startups podem trazer ganhos expressivos para o mercado brasileiro. Hoje ela já é avaliada como a maior instituição financeira do Brasil, fora os gigantescos aportes que ela tem recebido de investidores internacionais. Ou seja, um exemplo de uma Startups com grandes revoluções para o mercado visto como um oligopólio, com altas barreiras de entrada e regulamentação. Isso também já acontece também em outros setores.
Fonte: Justiça Em Foco – Por Mário Benisti – Foto: Reprodução