Sem médicos, UPA de Sobradinho limita atendimento à população

 

Somente nessa unidade foram 10 pedidos de exoneração no intervalo de um ano. Comunicado da Secretaria de Saúde alerta para situação crítica

A escassez de profissionais na saúde pública do Distrito Federal tem precarizado o atendimento nas unidades de pronto atendimento (UPAs), aquelas responsáveis pelos primeiros socorros aos brasilienses em casos emergenciais. Na UPA de Sobradinho, o recente pedido de exoneração de três médicos-residentes afetou a escala de trabalho e comprometeu o serviço prestado, chegando a interromper o acolhimento da população nos últimos dias.

Nessa terça-feira (19/6), a reportagem visitou a casa de saúde para averiguar queixas da comunidade. No local, uma única médica ficou responsável pelo serviço até as 19h. Depois desse horário, segundo pacientes, não houve atendimento. A situação já havia sido registrada na última segunda (18) e se repetiu nesta quarta-feira (20), com horários sem a presença de qualquer médico no local. Com o problema nas escalas, ocasionado pelos pedidos de exoneração e ausência de profissionais, houve quem não conseguisse socorro nem sequer no fim de semana.

Foi o caso do técnico em informática Pedro Henrique, 26 anos, e da namorada dele, Amanda do Nascimento, 20, que trabalha como autônoma. Após retirar o apêndice em outubro de 2017, a jovem voltou a sentir dores e fez uma verdadeira peregrinação por unidades de saúde entre o último domingo (17) e essa terça-feira.

Nos dois primeiros dias em busca de assistência, Amanda passou pelo Hospital Regional da Asa Norte (Hran), o Instituto Hospital de Base (IHB-DF) e o Hospital Regional de Sobradinho (HRS). Na terça, ela chegou à UPA de Sobradinho às 9h e saiu por volta das 15h, visto ter sido encaminhada ao HRS, onde conseguiu, finalmente, ser medicada no resto do dia.

 

Situação crítica
O apuro vivido por Amanda reflete o alerta feito, em memorando, pela própria Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF), na terça-feira (19/6). O superintendente da Região de Saúde Norte, Ricardo Tavares Mendes, classificou a condição da UPA de Sobradinho como crítica. No texto, ele revela: a unidade chegou a ter aproximadamente 32 médicos, mas, com o passar do tempo, o número foi reduzido para 16 profissionais.

Conforme o documento (veja abaixo), as perdas ocorreram tanto por exonerações como por término de contratos temporários. Dos 16 médicos ainda lotados no estabelecimento, três estão afastados por força de atestados prolongados. Outra médica está fora do serviço porque se encontra em licença-maternidade.

O documento alerta também para 10 exonerações no período de um ano – sendo três nas últimas semanas – e a dificuldade de o Hospital Regional de Sobradinho receber pacientes dos leitos da UPA.

Como forma de contornar a crise, o superintendente deliberou uma série de medidas. Determinou a remoção dos pacientes com indicação de internação para o HRS ou ponto de origem, até o restabelecimento dos recursos humanos da unidade. Proibiu as bases do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) de encaminharem pacientes para a UPA em questão e orientou a redistribuição de enfermeiros e técnicos de enfermagem para o HRS, visando à abertura de leitos naquele local.

Reprodução

            Reprodução

“Uma funcionária da casa de saúde demonstrou consternação. Sob condição de anonimato, ela topou falar sobre o local de trabalho: “Assisto pessoas peregrinando atrás de atendimento. Os pacientes pensam que não queremos trabalhar. Mal sabem eles: também somos vítimas do sistema, que, de forma silenciosa, vai fechando as portas do coração da urgência e emergência chamada UPA”

O problema também é criticado pelo vice-presidente do Sindicato dos Médicos do Distrito Federal (SindMédico-DF), Carlos Fernando da Silva. “Está faltando tudo. Tudo vem piorando. Falta médico, técnico, auxiliar de enfermagem e insumos. Esses profissionais pedem para sair por falta de condições de trabalho”, denuncia.

À reportagem, a Secretaria de Saúde explicou que nesta quarta (20/6), “no período vespertino, a UPA funciona com equipe de enfermeiro e técnico de enfermagem”, responsável pelo acolhimento de pacientes. A pasta informou também que, se necessário, faria encaminhamento dos usuários para uma unidade básica de saúde ou a um hospital. Os casos graves, segundo a SES-DF, “serão estabilizados e encaminhados ao hospital [de Sobradinho]. No plantão noturno, há médico escalado, assim como houve pela manhã”.

De acordo com relatos, problemas no atendimento foram verificados em outras unidades, como em Recanto das Emas e Samambaia. No Recanto, um médico realizou acolhimentos de casos com risco de morte, apenas. Em Samambaia, também houve restrição a quadros com classificação vermelha ou laranja, os mais complicados. Os demais pacientes foram orientados a se dirigir a centros de saúde.

No Núcleo Bandeirante, não havia grandes queixas. Em Ceilândia, os profissionais têm conseguido fazer os encaminhamentos para a unidade básica de saúde mais próxima. As informações são de entidades representativas de profissionais da área.

Punição até para quem ajuda
Nem mesmo quem se dispõe a ajudar em situações de falta de profissionais escapa da encrenca. Um médico do Samu e da Atenção Básica foi enquadrado por gestores. Sem se identificar por temer perseguição, o profissional conversou com a reportagem e relatou ter sido ameaçado pelo gerente da UPA de Samambaia.

Em duas oportunidades, no mês de maio, ele atendeu pacientes pelo Samu e os encaminhou para a UPA da cidade. Ao chegar ao local, só havia um médico, e isso o motivou a conversar com os colegas e oferecer atendimento, por se tratar de casos graves. Após o sinal verde dos servidores da UPA de Samambaia, o profissional prestou o socorro. A atitude, porém, não foi bem vista pela diretoria, que pediu a abertura de procedimento administrativo para investigar a atitude do doutor.

Está insuportável a pressão feita pelos gestores. É um sentimento de impotência imensa. Parece que vai contra o que fomos treinados a fazer: atender pessoas. Muitos colegas estão passando por situações ruins, nunca vi tanta gente não querendo ser médico

Profissional do Samu denunciado por socorrer paciente encaminhado à UPA de Samambaia

Dinheiro no ralo
Mantra do governo Rollemberg (PSB), a escassez de recursos nem sempre serve como argumento. Na saúde, por exemplo, o Governo do Distrito Federal (GDF) terminou 2017 com dinheiro em caixa. O detalhamento de despesas do Fundo de Saúde do DF revelou, em dezembro do ano passado, uma disponibilidade de R$ 330,2 milhões, que deixaram de ser executados.

A construção de novas UPAs estava prevista na autorização de recursos obtidos junto à União. Com esse valor de R$ 330,2 milhões, por exemplo, poderiam ser construídas 80 unidades.

As UPAs são estabelecimentos de complexidade intermediária entre as unidades básicas de saúde, Saúde da Família e a rede hospitalar. Elas são responsáveis por prestar o primeiro atendimento em casos emergenciais, com o objetivo de realizar um diagnóstico inicial e definir a necessidade ou não do encaminhamento dos pacientes a localidades mais bem equipadas. É recomendável procurar uma UPA em casos de parada cardiorrespiratória, dor no peito ou cardíaca, convulsão, dor de cabeça intensa, vômitos e diarreias, entre outros casos.

Confira na íntegra a nota enviada ao Metrópoles pela Secretaria de Saúde:

A Secretaria de Saúde informa que as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) do DF estão funcionando normalmente e que trabalha para reforçar o quadro de médicos dessas unidades.

Para isso, abriu, em março, edital para contratação de 294 médicos, sendo 45 emergencistas. Para esse concurso, foram 3.098 inscritos. O resultado deve ser homologado até o início de julho.

Nesse mesmo concurso, foram abertas outras 30 vagas para médico da família e comunidade e 10 para enfermeiro da mesma especialidade. Esse é o primeiro concurso com vagas para quem tem título em medicina da família.

O objetivo é fortalecer ainda mais as equipes do Estratégia e Saúde da Família que, atualmente é composto por 540 equipes, distribuídas em 166 unidades básicas de saúde que devem ser usadas como porta de entrada para a assistência à saúde, pela população. A cobertura atual é de 66,6%.

Nesta gestão já foram admitidos 5.935 novos profissionais de diversas especialidades. Esses novos servidores irão ocupar vagas abertas por exonerações, aposentadorias e vacâncias.

 

Fonte: Metrópoles

Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

 

Deixe seu comentário