Servidores do GDF farão intercâmbio em país da lista de mais corruptos
Executivo gastará mais de R$ 22 mil em diárias para visita à Indonésia. Objetivo é trocar experiências de boas práticas de gestão
Desde o início do seu mandato, o governador Rodrigo Rollemberg (PSB) norteia sua administração com um discurso de austeridade. Porém, mesmo em tempos de controle de gastos pelo Governo do Distrito Federal, a Controladoria-Geral (CGDF) decidiu enviar dois servidores para um intercâmbio em Jacarta, na Indonésia. O país asiático está entre os 100 mais corruptos do planeta, mas o Executivo local entendeu que poderia importar “boas práticas de governança” com a excursão dos funcionários públicos.
O custo com 10 diárias e meia para esses profissionais no período entre 19 e 29 de abril será de US$ 6.247,50 – totalizando R$ 22.553,47 mil quando convertido em reais. Embora o valor seja pouco expressivo frente aos gastos da administração pública, contradiz uma das principais bandeiras do socialista, além de decreto do próprio governador, que determinou redução desses gastos de um ano para outro.
Paulo Ribeiro Lemos, chefe da Assessoria de Harmonização Central, e Liane Vasconcelos de Araújo Angoti, subcontroladora de Controle Interno, foram convocados para a missão no sudeste da Ásia.
Cada um terá direito a US$ 3.123,75 para 10 diárias e meia, o equivalente a R$ 11,27 mil. Por dia, o gasto do governo com os servidores pode ultrapassar os R$ 1 mil considerando hospedagem, alimentação e locomoção urbana. O valor final, inclusive, é maior, pois não foram lançados os preços das passagens.
Segundo descreve a própria Controladoria, os trabalhadores vão participar de um “intercâmbio de experiências e soluções na implantação e desenvolvimento do Modelo de Capacidade de Auditoria Interna”. Outro objetivo é a “formação de parceria estratégica sobre boas práticas de governança”.
A Assessoria de Harmonização Central é responsável por atingir a meta de institucionalizar 50% dos chamado macroprocessos-chave a patamares definidos por órgãos internacionais. Segundo a CGDF, o objetivo é “a melhoria da gestão pública no âmbito do Poder Executivo distrital, visto que são exigidas ações que fortalecem o combate à corrupção, promovem a ética e a transparência e elevam os órgãos para outro patamar de integridade”.
Os R$ 22.553,47 que podem ser gastos durante a missão superam o que a CGDF usou em todo 2017 com o mesmo tipo de despesa. Segundo o Portal da Transparência, durante 12 meses foram ordenados R$ 20.829,81, incluindo passagens enquadradas em restos a pagar processadas no exercício do ano passado.
Em tese, esse ato não deveria ocorrer, o que motivou um drible do governo: autorizar, em caráter excepcional, a vedação ao artigo 7-A do Decreto nº 38.182/2017. O texto estabelece que os órgãos da Administração Direta, as Autarquias, as Fundações Públicas e as Empresas Dependentes do Tesouro Distrital tratados nesse decreto deverão reduzir em 10% as despesas com aquisição de passagens aéreas e concessão de diárias.
Em parágrafo único, acrescenta que “o cálculo da redução de despesa prevista no caput deste artigo deverá ser considerado como base o montante executado no exercício anterior”.
Dessa forma, seria impossível reduzir em 10% os gastos se, com uma única missão, ela extrapola as cifras de 2017. Mais do que contrariar o texto, até o final de abril, a Controladoria terá atingido R$ 40.650,77 em percursos, incluindo o deslocamento para Jacarta. Quase o dobro do consumido no ano passado.
O valor das diárias, no entanto, não é arbitrário. Ele segue uma tabela prevista no Decreto nº 37.437/2016. Diariamente, profissionais de Cargos de Natureza Especial (CNE) 1 a 7 têm direito a US$ 297,50 em excursões para o exterior e R$ 257,07 para jornadas feitas no Brasil. Sendo assim, os US$ 3.123,75 correspondem fielmente a 10 diárias e meia.
Segundo o Portal da Transparência, a Controladoria-Geral já consumiu, em 2018, R$ 18.097,30 com diárias, passagens e despesas com locomoção. Ainda de acordo com o site, foram pagos R$ 6.558.138,65 por órgãos vinculados ao GDF nos primeiros quatro meses do ano com esse tipo de despesa.
“Nesse caso, cabe indagar o que se pretende com essa participação, quais os resultados esperados ou mesmo quais seriam os objetivos. O período é de grave crise financeira, a contenção de gastos deve ser severa. Essa viagem deve atender a um programa previsto no orçamento” José Simões, professor de Administração e Políticas Públicas do Ibmec DF
A visita técnica de servidores da Controladoria-Geral será a um dos países que, ao lado do Brasil, ocupa a 96ª posição do ranking do Índice de Percepção de Corrupção (IPC), divulgado pela Transparência Internacional. A missão teve a canetada do novo controlador-geral, Lúcio Carlos Pinto Filho, que assumiu o órgão no lugar de Henrique Ziller na semana passada.
Em consulta a sites de hotelaria, o preço para 10 diárias em um hotel cinco estrelas em Jacarta varia entre R$ 2.802 e R$ 10.393 para o período de locomoção. Em hospedagens três estrelas, o valor não ultrapassou a casa dos R$ 2 mil. Um outro portal indica que esses valores podem flutuar entre R$ 55,95 e R$ 486,02 para o período.
Um almoço para duas pessoas, com prato principal e sobremesa pode ser consumido por R$ 40, enquanto um capuccino custa R$ 7. A moeda oficial do país é a rúpia indonésia e um dólar equivale a 13.671 do moeda local. Já o preço de uma passagem de ida e volta, em classe econômica, de Brasília a Jacarta para o período em questão não sai por menos de R$ 8.152.
O outro lado
Segundo a Controladoria-Geral, trata-se de uma missão internacional organizada pelo órgão em parceria com o Conselho Nacional de Controle Interno (Conaci), o Banco Mundial e a Secretaria de Estado da Fazenda de Santa Catarina. A finalidade é promover intercâmbio de informações, experiências e soluções na implantação e desenvolvimento do Modelo de Capacidade de Auditoria Interna IA-CM (Internal Audit Capability Model), sistema adotado pela CGDF desde 2015.
Esse modelo identifica os fundamentos necessários para uma auditoria interna efetiva, apresentando cinco níveis de capacidade para essa atividade evoluir e melhorar processos e práticas. A viagem busca incrementar o projeto de fortalecimento do sistema de controle interno do Brasil.
Em fevereiro, o Instituto de Auditores Internos, o Conselho Nacional de Controle Interno e o Banco Mundial encaminharam à CGDF cartas de referência do projeto IA-CM, reconhecendo que o órgão contempla a maturidade de auditoria interna nível 2, a execução do plano de ação de nível 3, bem como a capacidade da Controladoria-Geral do DF de disseminar as melhores práticas de gestão e governança pelo país. O avanço do modelo IA-CM na CGDF está contemplado no Plano Estratégico Institucional 2016-2019 e no Acordo de Resultados do GDF.
Histórico
Viagens polêmicas fazem parte da gestão atual. Em 2016, o secretário-adjunto de Esporte, Turismo e Lazer, Jaime Recena, foi a Las Vegas por 10 dias para acompanhar a apresentação da Red Bull Air Race, um show aéreo de acrobacias feitas por aviões de pequeno porte. O deslocamento dele e de outra servidora custou R$ 32.705,90.
Nem mesmo o governador Rodrigo Rollemberg ficou de fora das viagens. Ele foi para Lisboa, em Portugal, durante a Semana Santa de 2016. Já o secretário de Habitação, Thiago de Andrade, teve o passaporte carimbado em missões a Nova York, nos Estados Unidos; Cidade do Panamá, capital do país homônimo; Bogotá, na Colômbia; e Quito, no Equador.
Fonte: Metrópoles
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