Sol Nascente: uma comunidade ainda longe de ser vitrine no DF
Moradores da segunda maior favela do país carecem de serviços básicos em algumas áreas, como saneamento, asfalto e iluminação e segurança
Silvânia Rodrigues riscou do mapa o trajeto entre a sua casa e um córrego situado na parte mais baixa do Trecho 1 do Setor Habitacional Sol Nascente. Os 500 metros que separam o lar do curso d’água representam dor e sofrimento para a diarista de 37 anos. No rio, o filho Josuel Rodrigues, de 5 anos, morreu afogado em março.
O local onde o garoto brincava com os irmãos encheu rapidamente após uma bacia de contenção – construída recentemente – transbordar. A mãe de Josuel e lideranças comunitárias denunciam que, antes mesmo do acidente, pediram ao GDF o cercamento da área, mas foram ignorados. Após a tragédia, o poder público limitou-se a instalar uma placa alertando sobre o risco de afogamento.
“Aconteceu com o meu menino e pode acontecer com outro, pois não fizeram nada para fechar aquele espaço. Parece que não existimos aqui”, lamenta Silvânia, enquanto segurava a foto da criança.
No outro extremo do Sol Nascente, no Trecho 3, a copeira Maria Aparecida Xavier, 44, também se queixa da ausência do Estado. Quando chove forte, o filho dela, Samuel, de 11 anos, não pode ir à escola em função das fortes correntezas de lama que deixam o imóvel ilhado.
Já no período de seca, o garoto e a mãe andam mais de 40 minutos em meio à poeira até o ponto mais próximo onde passa o ônibus escolar da Secretaria de Educação. “Ele tem de almoçar às 11h para dar tempo de pegar o ônibus e acaba sentindo fome até a hora de servirem o lanche. Tudo isso porque acham que quem mora aqui não merece transporte digno”, reclama, apontando para a vizinhança.
Nesta quinta reportagem da série DF na Real, o Metrópoles aborda os problemas da segunda maior favela da América Latina, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nas outras quatro matérias, os temas foram, respectivamente, saúde, segurança pública, educação e as falhas da Rodoviária do Plano Piloto.
Em cada edição, os 11 candidatos a governador do DF são questionados sobre o que pretendem fazer, caso eleitos, para solucionar as principais mazelas. Confira, ao fim do texto, as promessas de cada postulante ao Buriti.
Grilagem
Quem vive no Sol Nascente tem certeza de que o setor pertencente a Ceilândia já deixou para trás a Rocinha, no Rio de Janeiro, no quesito número de habitantes e tamanho. Divulgado há oito anos, o último censo do IBGE apontava que o morro carioca contava com 69.161 moradores, enquanto o bairro distante 35km do Congresso Nacional tinha 56.783 pessoas.
Cercada de grandes áreas verdes e desabitadas, a favela horizontal encravada no Planalto Central nunca deixou de ser alvo da cobiça de grileiros, que aproveitam a frágil fiscalização para desmatar, parcelar e vender terras públicas.
Na terça-feira (28/8), um grupo levantava pequenas casas de alvenaria em um descampado próximo à Chácara 84. Vizinhos ao local contam que a Agência de Fiscalização do DF (Agefis) apareceu apenas uma vez no lugar para derrubar as edificações, ação insuficiente para frear o ímpeto dos invasores.
Obra pela metade
O Sol Nascente é divido em três setores. O governo atual diz ter investido mais de R$ 220 milhões – sendo 75% oriundos da Caixa Econômica Federal – em obras, e garante que 100% do Trecho 1 está pavimentado, informação questionada pelo criador de animais Ivo Ferreira de Lima, 57 anos.
Lima conta que há seis meses a empresa contratada pelo GDF inciou o calçamento da Rua 14 B, onde ele vive com a família há 12 anos. Embora os engenheiros tenham fincado piquetes no solo até a porta da sua residência, a urbanização chegou somente até a metade da rua.
Esgoto a céu aberto
O servidor público Gustavo Luiz Lopes da Silva, 40 anos, reforça o coro dos insatisfeitos com as intervenções no Trecho 1. Ele e outras 12 famílias foram excluídos da urbanização, embora a Chácara 43 fique a poucos passos de um setor completamente asfaltado.
“Simplesmente pularam nossa rua e nos deixaram com ratos e sujeira. Já cansamos de cobrar uma explicação, mas se limitam a dizer que a área está fora da poligonal. Apresentei um mapa do Sol Nascente desmentindo essa informação, mas simplesmente não responderam”, esbraveja Silva.
O Trecho 3 é o que menos recebeu atenção do GDF. No local, o esgoto corre a céu aberto, montanhas de lixo se formam nas esquinas e as ruas são esburacadas. Se motoristas e pedestres já encontram enorme dificuldades, pessoas com deficiência sofrem bem mais.
Acessibilidade zero
Paulo Borges (foto em destaque), 39 anos, levou um tiro na medula há 14 anos que lhe tirou os movimentos das pernas e do braço esquerdo. Apenas 550 metros separam a casa dele da residência da mãe. Mesmo com auxílio do sobrinho Cauã, de 11 anos, que empurra a cadeira de rodas, o trajeto não é feito em menos de 30 minutos.
Para ratificar os problemas vistos a olho nu por quem passa pelo local, o cadeirante mostra um ferimento no cotovelo, resultado de uma queda ao passar por um buraco cheio de lama.
“Não foi a primeira vez que me desequilibrei da cadeira e caí. Tem tanta cratera que você desvia de uma e cai em outra. Aqui está um horror” Paulo Borges, aposentado por invalidez
Sol Nascente: uma comunidade ainda longe de ser vitrine no DF
Gangues apavoram moradores
Quando cai a noite no Sol Nascente, poucas pessoas se arriscam a sair de casa. Quem não tem opção, por desembarcar tarde dos coletivos, tenta desenvolver estratégias de defesa a fim de minimizar os riscos de assaltos. Nos Trechos 2 e 3, muitas ruas são mal iluminadas, tornando as passagens ainda mais perigosas.
A estudante Débora Moraes, 18 anos, mora no Trecho 3 do Sol Nascente e cursa o último ano do ensino médio no CEF 25, no Setor P Norte, em Ceilândia. Com aulas finalizadas após as 22h, ela costuma chegar em casa por volta das 23h. Da parada até onde mora, passa por locais completamente escuros.
Com receio de integrar estatísticas criminais, sempre volta acompanhada do amigo e vizinho Daniel Morone, 16, que estuda na mesma escola. “Sempre o espero, porque é extremamente perigoso passar por aqui sozinha. Nunca fui assaltada, mas acho que é sorte mesmo, porque conheço muita gente que já foi roubada à noite aqui”, conta.
Além da iluminação precária, moradores da favela brasiliense reclamam da falta de policiamento. A reportagem do Metrópoles visitou o Sol Nascente por três dias seguidos, inclusive à noite, mas só viu viaturas da Polícia Militar circulando na região na terça-feira (28) à tarde, próximo à Feira do Produtor.
Com tímida repressão policial, facções criminosas avançam no controle do tráfico de drogas em muitos pontos. Em janeiro passado, o portal mostrou o surgimento de uma nova facção criminosa intitulada “Os Cão do Inferno” (OCI). A quadrilha tenta ganhar espaço depois que a 19ª Delegacia de Polícia (P Norte) prendeu as principais lideranças do Comando do Sol Nascente (CSN), gangue que dominava o comércio de entorpecentes havia anos no bairro.
Segundo comerciantes que preferiram não se identificar, a disputa entre os dois grupos resulta, não raras as vezes, em trocas de tiros, o que pode explicar parte dos 13 homicídios registrados na região este ano. Os dados são da Secretaria da Segurança Pública e da Paz Social (SSP).
No dia em que a reportagem esteve no local, o dono de um estabelecimento comercial fazia as contas de mais um assalto, o segundo do ano. Sem querer revelar a identidade e o nome da loja, disse ter perdido a esperança de prosperar no lugar. “Foi o quarto [roubo] em dois anos. E vai ser o último, porque vou me organizar para abrir a loja em outra cidade”, lamenta.
Procurado pela reportagem, o GDF não havia se manifestado sobre os problemas na comunidade até a última atualização deste texto.
Veja as propostas dos buritizáveis para o Sol Nascente:
Sol Nascente: uma comunidade ainda longe de ser vitrine no DF
Fonte: Metrópoles
Por Saulo Araújo
Foto: Igo Estrela/Metrópoles