Suicídio de dois PMs em menos de 10 horas no DF deixa tropa em alerta

 

Entre quarta e esta quinta (22/3), uma tenente e um sargento tiraram a própria vida. Mortes causam preocupação e mobilizam redes sociais

Dois policiais militares do Distrito Federal tiraram a própria vida em um intervalo de 10 horas entre quarta (21/3) e a madrugada desta quinta (22). Os suicídios causaram grande preocupação nos integrantes da tropa, familiares e nas entidades que representam a corporação. Nos grupos de PMs nas redes sociais, não se fala de outra coisa.

O primeiro caso foi registrado no Guará II, às 13h58, quando uma tenente foi encontrada sem vida por uma amiga. Ela teria usado a própria arma para cometer o ato: um tiro na boca. Por volta da 00h29 de hoje, um sargento morreu em Samambaia Norte. De acordo com a ocorrência, a mulher o encontrou morto do banheiro. Ele tinha 19 anos de profissão. O Metrópoles preservou os nomes e os detalhes dos casos em respeito aos familiares das vítimas.

No início do mês, outro caso chamou a atenção. O policial militar Sílvio Costa Pereira, 32 anos, surtou e disparou pelo menos 30 vezes em diversas direções. O episódio aconteceu em um prédio na Rua 12, em Vicente Pires. O militar esvaziou três pentes da arma, uma pistola .40. Testemunhas contaram em depoimento que o PM tinha depressão e já vinha demonstrando sinais de isolamento. Os disparos foram feitos dentro e fora do apartamento em que ele estava. Por pouco não houve uma tragédia, tendo em vista que os tiros acertaram paredes e até carros estacionados.

A  Associação dos Praças Policiais e Bombeiros Militares do Distrito Federal (Aspra) informou que vai cobrar medidas mais efetivas do comando para que casos como esses sejam evitados. Segundo a entidade, falta atendimento médico adequado. O acúmulo de serviços ordinários, escalas voluntárias e jornada extra exige ainda mais do psicológico dos militares.

Veja alguns dos desabafos que circulam nas redes sociais:

Reprodução/facebook

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Família sofre
De acordo com Edleuza Paiva, representante do grupo Esposas Unidas da PMDF, a associação está preocupada com a saúde dos militares. Segundo ela, a corporação conta com um psiquiatra, que teria sido afastado, recentemente, por motivos de estresse.

“A profissão do policial é uma das mais estressantes do mundo, conforme a OMS (Organização mundial da Saúde). O PM sai para a rua e se depara com todo tipo de situação. Ele volta para casa aterrorizado. A família nem sempre está preparada ou não consegue perceber”, explica Edleuza.

No caso dos militares, ela conta que o problema é ainda pior. “Eles não têm o direito de falar. Não podem reclamar. Se o fizer, vão responder por isso. O policial está amordaçado. Tem de vestir a farda, defender o Estado com a própria vida, mas ninguém defende a dele nem a da família dele. Estão sem apoio do Estado, desamparados”, desabafa.

“A sociedade fica alheia à situação. Não se respeita mais a polícia. Saem para a rua e agridem os PMs. Eles (os policiais) prometem que vão defender o Estado com a própria vida, mas onde o Estado fica para defender esse policial? A resposta que ele pode dar e colocar a arma dentro da boca e dar um tiro?” Edleuza Paiva, que representa o grupo Esposas Unidas da PMDF

“Com baixo salário e quatro anos sem reajuste, os militares acabam aceitando os serviços extras para aumentar a remuneração. Emendam um serviço no outro, não descansam ou se distraem com a família. O policial está estressado, no limite. Para completar, mal tem assistência médica”, completa Manoel Sansão, vice-presidente da Aspra.

Procurada pela reportagem, a Polícia Militar do DF não havia se manifestado até a publicação desta matéria.

Dados
De acordo com levantamento feito pelo Grupo de Estudo e Pesquisa em Suicídio e Prevenção da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), onde a fonte é a própria Polícia Militar carioca, de 1995 a 2009 foram registrados 58 casos de suicídio de PMs no estado e mais de 36 tentativas.

Conforme análise divulgada em 2016, das 58 mortes por suicídio de PMs da ativa, três ocorreram em serviço e 55 nas folgas. Foram, em média, três suicídios a cada ano. Em São Paulo, segundo a Secretaria de Segurança Pública, 228 agentes se suicidaram nos últimos dez anos. Ou seja, uma morte a cada 17 dias. Do total de ocorrências, 182 foram com militares (79,8%) e 46 com civis (20,2%).

O relatório cita que policiais com os mais altos níveis de estresse ocupacional são aqueles com mais de 15 anos de serviço, sargentos, oficiais que exercem funções administrativas, divorciados, com mais de 30 anos de idade, que não desfrutam de lazer em suas horas vagas; e os que não têm hobbies.

Em 2014, um estudo do Ministério da Justiça e da Uerj ajudou a traçar o comportamento suicida entre profissionais da segurança pública. As informações foram trabalhadas com base no banco de dados da Rede EAD da Secretaria Nacional de Segurança Pública e em entrevistas com policiais militares de 27 localidades. A pesquisa mostrou que apesar da gravidade do problema, o suicídio policial não recebe a devida atenção do poder público nem das organizações policiais internacionais e nacionais.

Uma das razões da invisibilidade do fenômeno deve-se à cultura hierárquica na polícia. “No Brasil, o descaso do poder público é condizente com o caráter tradicional das políticas de segurança pública no país. No Rio de Janeiro, por décadas, gestores públicos priorizavam investimentos materiais (viaturas, rádio-comunicação e armas) em detrimento de políticas de valorização de recursos humanos de policiais civis e militares”, destaca.

Especialista em formação de mão de obra na área de segurança, o ex-policial Jorge Matos Alencar levanta outra questão. De acordo com ele, ainda existe muita fantasia em torno da profissão: “Muita gente quer ingressar nas forças por conta do glamour, do status… pensam que a coisa funciona como nos filmes. E a realidade é bem diferente”.

Para ele, é importante que isso fique muito claro ao longo do treinamento. “Infelizmente, muitos soldados, policiais, vigilantes e seguranças vão para as ruas sem estar preparado para enfrentar a violência, ver pessoas morrendo, suportar uma hierarquia forte, muitas vezes injusta”, destaca. Isso, segundo Alencar, acaba gerando frustração e depressão.

Busque ajuda
Metrópoles tem a política de publicar informações sobre casos de suicídio ou tentativas que ocorrem em locais públicos ou causam mobilização social. Isso porque é um tema debatido com muito cuidado pelas pessoas em geral.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que o assunto não venha a público com frequência, para que o ato não seja estimulado. O silêncio, porém, camufla outro problema: a falta de conhecimento sobre o que, de fato, leva essas pessoas a se matarem.

Depressão, esquizofrenia e o uso de drogas ilícitas são os principais males identificados pelos médicos em um potencial suicida. Problemas que poderiam ser tratados e evitados em 90% dos casos, segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria.

Está passando por um período difícil? O Centro de Valorização da Vida (CVV) pode te ajudar. A organização atua no apoio emocional e na prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo, por telefone, e-mail, chat e Skype 24 horas todos os dias.

 

Arte/Metrópoles

Arte/Metrópoles

Disque 188
A cada mês, em média, 1 mil pessoas procuram ajuda no Centro de Valorização da Vida (CVV). São 33 casos por dia, ou mais de um por hora. Se não for tratada, a depressão pode levar a atitudes extremas.

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada dia, 32 pessoas cometem suicídio no Brasil. Entre os estudiosos e a própria organização, existe um consenso de que 90% desses casos poderiam ser evitados. Hoje, o CVV é um dos poucos serviços em Brasília no qual se pode encontrar ajuda de graça. Cerca de 50 voluntários atendem 24 horas por dia a quem precisa.

 

Fonte: Metrópoles

Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

 

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