Temer quer empresários, apresentadores, influenciadores e pastores unidos na tarefa de afastar as resistências à reforma. Segundo interlocutores, essa é a grande obsessão do presidente. Desde o ano passado, o governo tem se amparado em pesquisas realizadas pela Secretaria de Comunicação da Presidência mostrando que vem diminuindo a resistência da população às mudanças nas regras da aposentadoria. O Correio mostrou, em dezembro, que antes das denúncias contra Temer, 61% eram contrários à reforma e apenas 14% defendiam alterações. No fim do ano, os que rejeitavam a ideia somavam 30% e os que defendiam, 26%.
Ainda assim, o governo não conseguiu convencer os deputados a analisar a matéria antes do recesso parlamentar e foi obrigado a apresentar uma nova data — desta vez, 19 de fevereiro, logo após o carnaval. Por isso, a pressa do presidente de divulgar a ideia na televisão para que os deputados, ainda no recesso e junto às respectivas bases eleitorais, percebam se houve nova mudança de humor da população.
O Planalto sabe que são públicos distintos. Amaury Júnior fala mais à alta classe paulistana, os empresários e endinheirados. Ainda assim considera que o esforço vale a pena, alegando que o discurso do “fim dos privilégios” só afeta os servidores públicos mais abastados, o que excluiria o empresariado e os banqueiros paulistanos, integrantes da classe social que assiste e aparece no programa do apresentador.
Direitos
No caso de Silvio Santos e Ratinho, o foco é a outra ponta da pirâmide. É garantir que as pessoas mais carentes, sobretudo aquelas situadas nas classes D e E, tenham a certeza de que não perderão direitos com a reforma da Previdência. Para isso, a equipe econômica já fez diversas concessões, como a exclusão dos inscritos no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e dos aposentados rurais da lista de pessoas atingidas pelas reformas. Na conversa que teve com Silvio Santos na semana passada, Temer ouviu do apresentador: “Eu não entendo o que vai ser votado. Se eu entender, a população também vai compreender”, prometeu.
Ontem o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, reforçou que o rebaixamento do rating brasileiro anunciado pela Standard & Poor’s aumenta ainda mais a responsabilidade dos parlamentares. “Sem que nós venhamos a aprovar uma modernização da nossa Previdência, que a transforma em uma Previdência mais justa, e menos desigual, o Brasil tem poucas chances de viver um futuro de prosperidade e quase que está condenado a um futuro de incertezas”, disse Marun.
O ministro reforça a estratégia do governo de apelar à população como uma maneira de pressionar os deputados a votar a favor da reforma. “Aqueles setores mais lúcidos da sociedade brasileira estão cada vez mais certos e convencidos da necessidade da aprovação da reforma e já começam, digamos assim, a manifestar e até a pressionar parlamentares no sentido de que seja aprovada”, assegurou. Marun não condena que alguns parlamentares estejam receosos em dizer sim à reforma por causa das eleições. E diz que, por isso, é salutar que o movimento favorável parta da sociedade, para dar mais legitimidade ao debate.
Embora todos os principais articuladores do governo ainda estejam de recesso, isso não significa que não estejam trabalhando. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), por exemplo, defendeu a aprovação da reforma, mas buscou ser cauteloso quanto à contabilidade de votos. “É preciso esperar o fim do mês para ter uma opinião mais clara”, disse Maia, em entrevista ao Correio. Marun confirmou que está, constantemente, conferindo a planilha de votos. “É só o que eu faço o dia todo, né?”, brincou.
Análise da notícia
Atrações populares
Praticamente estagnado na conquista de votos desde setembro do ano passado, o governo resolveu mudar a estratégia de convencimento e passou a pressionar de fora para dentro. E usou uma tática conhecida e já adotada por diversos governos, especialmente aqueles cujos titulares não têm o dom da comunicação direta: apelar para a participação em programas populares.
Neste quesito, uma das grandes vitrines é o Programa do Ratinho, com suas atrações populares, seus quadros de gosto muitas vezes duvidoso, mas com um poder de interlocução nas classes D e E impressionante. Temer vai lá, Dilma Rousseff já foi, o petista Fernando Haddad, quando era candidato à prefeitura de São Paulo também. Até mesmo o ex-presidente Lula, um dos poucos políticos brasileiros que mantêm uma interlocução direta com a população, apareceu na atração do SBT, na primeira entrevista após a descoberta de um câncer na laringe, em 2012.
Silvio Santos também, ano após ano, vem mantendo sua capacidade de comunicação com a população. Durante os governos militares, por exemplo, quando seu canal ainda se chamava TVS — o SBT foi criado em 1981 —, o apresentador mantinha um quadro “a semana do presidente”, que apresentava as ações do general que ocupava, à época, o cargo no Palácio do Planalto. (PTL)
“Eu não entendo o que vai ser votado. Se eu entender, a população também vai compreender”
Silvio Santos, apresentador, durante conversa com Michel Temer, na semana passada