UM SULCO ABERTO NA ROCHA

Por Percival Puggina (*)

Num sistema de pluralismo partidário, formado por siglas totalmente descaracterizadas, campanhas eleitorais acabam deslocando o eleitor para a periferia do jogo político. Muitos só votam porque é compulsório, como declarar imposto de renda. Aquela multidão de nomes e rostos que passam acelerados na tela da TV pouco significa para a maioria que, se não acompanha a atividade legislativa, menos ainda haverá de saber a respeito dos postulantes ao primeiro mandato. Conseguir votos assim, em tempo de pandemia, com nenhuma receptividade para reuniões, para receber visita, abrir a janela do carro e participar de eventos, é tarefa de Hércules.

Quem for eleito, descobrirá em seu cotidiano que a nova vida, tornada pública, envolverá uma sequência de decisões. Algumas são incomodamente irrelevantes; outras, angustiantes pelo desafio que lançam ao discernimento e à coragem. Refiro-me à opção sobre qual a melhor decisão a tomar em cada questão submetida à apreciação do detentor de um mandato popular. Refiro-me, também, à incômoda e frequente necessidade de discernir pelo mal menor, quando o bem não comparece no catálogo das possibilidades. Refiro-me, por fim, à sempre presente opção de o parlamentar, com tal ou qual decisão tomada, pôr em risco um futuro novo mandato.

Decidir, decidir, decidir, eis o dia-a-dia da vida pública.

Tudo fica muito mais fácil quando os princípios – os tão ignorados princípios – funcionam ao modo de um sulco aberto na rocha para que as decisões a tomar fluam através dele como as águas de um rio. Na situação infelizmente mais comum na política que vemos, o sulco aberto conduz ao próprio bem ou ao melhor dividendo político pessoal. Desaparecem das decisões, então, todos os conflitos de interesse, todas as preocupações e todas as respostas a buscar com vistas à melhor conveniência da sociedade.

Sob tal moldura, não deveriam os candidatos à representação popular enfatizar seus princípios (contanto que os tenham) e mostrar como sua biografia se coaduna com eles, em vez de simplesmente discorrerem sobre feitos prometidos como isca para levar peixinhos à urna? Será apenas essa, ou apenas assim a dinâmica das escolhas do eleitor?

Atenção, portanto, a candidatos que escondem o próprio partido e suas cores, ocultam suas reais convicções políticas, mudam a própria conduta. Deformam-se para aparentarem ser o que não são.

(*) Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

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Fonte: Site puggina.org, gentilmente disponibilizou este artigo para o Brasília In Foco News

Foto: Nadia Raupp Meucci

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