Venezuelanos: saiba como o governo irá disciplinar imigração no Brasil
Em reunião com a governadora de Roraima, Temer promete criar comissão para tratar da questão da vinda de pessoas do país vizinho para o Brasil. Presidente garante que governo não deixará venezuelanos passarem fome nem vai impedir que tenham acesso a serviços de saúde
Após o agravamento da situação dos refugiados venezuelanos em Roraima, com o fechamento da fronteira entre Colômbia e Venezuela, o presidente Michel Temer prometeu criar uma coordenação nacional para acompanhar a migração e editar uma medida provisória (MP), até a próxima quinta-feira, para ajudar o estado. “Não faltarão recursos e esforços necessários para solucionarmos a questão migratória”, afirmou. Temer viajou ontem para Roraima, onde se reuniu com a governadora Suely Campos, com a presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, Elaine Cristina Bianchi, e com representantes do Poder Legislativo estadual. Durante o encontro, ficou decidido que uma força-tarefa vai controlar o ingresso de venezuelanos, com o aumento de 100 para 200 homens nos pelotões de fronteira.
Temer garantiu que o Brasil jamais se recusará a receber refugiados. “Mas vamos ordenar a entrada. Vamos disciplinar isso com a Polícia Federal e o Exército”, destacou. Segundo o presidente, é preciso “proteger a integralidade territorial e os habitantes de Roraima”, já que a governadora Suely Campos mencionou que os venezuelanos estariam “tirando o emprego de roraimenses”. “Os venezuelanos vêm para cá e são obrigados a trabalhar. Temos que agir para preservar os empregos dos brasileiros e também o território, mas precisamos acentuar a questão dos direitos humanos”, destacou.
Temer disse que as autoridades do estado manifestaram preocupação e “quase piedade” sobre a situação dos venezuelanos”. “Eles vêm para cá em condições de miserabilidade absoluta. Migram porque são obrigados a sair do seu país. Estão sem condições de vida no Estado venezuelano”, assinalou. O presidente alertou, no entanto, que os problemas que o fluxo de venezuelanos está criando para Roraima agora poderão se estender aos demais estados em breve. “Nós estamos falando da interiorização de venezuelanos, porque eles serão levados para outros estados”, disse.
O presidente ressaltou que o Brasil não vai “deixar os venezuelanos passarem fome, nem impedir que tenham acesso aos serviços de saúde”. Por isso, o governo está fazendo documentos de identidade provisórios. “A procuradora-geral da República (Raquel Dodge) sugeriu criar este documento, e nós assinamos o decreto. Mas isso não quer dizer que poderão votar. Só se tornarão eleitores ao se naturalizarem.”, lembrou. “Tudo isso demanda recursos, mas não posso estimá-los agora. Também demanda uma coordenação cooperativa entre a União, o estado e os municípios de Roraima. Vou editar uma MP, no mais tardar, quinta-feira, que tratará disso”, anunciou.
Crise
A visita de Temer a Roraima e a decisão de focar esforços para tratar da questão migratória ocorre no momento em que o número de venezuelanos que entram no país por aquele estado está aumentando demais. Na semana passada, a Colômbia decidiu fechar a fronteira com a Venezuela, reduzindo as possibilidades dos venezuelanos que fogem da crise político-econômica do país governado por Nicolás Maduro. O governo do país vizinho cortou programas sociais, a inflação está nas alturas e há escassez de alimentos e medicamentos.
Em busca de uma vida melhor, os venezuelanos pedem refúgio no Brasil. A maioria entra no país pela fronteira dos estados de Roraima e do Amazonas. De acordo com a Polícia Federal de Roraima, somente em 2017, mais de 30 mil venezuelanos se deslocaram para Boa Vista. Hoje, a estimativa é de que 40 mil habitantes da capital, quase 10% da população, sejam refugiados da Venezuela. A principal porta de entrada é a cidade de Pacairama, município com 12 mil habitantes.
Abrigo temporário
Para apoiar os venezuelanos recém-chegados, o governo brasileiro criou abrigos temporários e uma estrutura de atendimento que não está mais dando conta. A chegada em massa dos imigrantes pressionou o sistema de assistência social, de saúde e de educação da Região Norte. Apenas em Pacairama, os serviços públicos atendem cinco vezes mais pessoas do que a população inteira da cidade. Em Boa Vista, a rede pública de ensino já conta com quase mil alunos venezuelanos.
O porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) no Brasil, Luiz Fernando Godinho, explicou que o Brasil mantém as fronteiras abertas desde o início da crise na Venezuela porque o país é signatário da Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados, adotada em 1951. “O Brasil acolhe os pedidos de refúgio e os avalia. E deve ordenar a entrada de refugiados, melhorar a fiscalização nas fronteiras e promover uma interiorização organizada”, esclareceu.
Fornecer documentos provisórios, conforme o porta-voz do Acnur, é fundamental para conhecer as pessoas, obter informações sobre suas famílias e suas profissões. “Isso permitirá um processo de interiorização mais organizado e bem-sucedido, pois identificará a capacidade de recolocação dessas pessoas em outras regiões, onde possa haver uma melhor integração”, disse Godinho. Segundo ele, existe a necessidade de descongestionar o estado de Roraima, que não tem “capacidade econômica de absorver todos os refugiados”.
Fluxo misto
Godinho alertou, no entanto, que há um fluxo misto da Venezuela. “Existem aquelas pessoas que deixam o país por motivos econômicos e outros que se encaixam na definição de refugiados, que são os que sofrem perseguição política”, ressaltou. O porta-voz do Acnur explicou que o migrante econômico chega à fronteira e pede refúgio, mas este pedido será avaliado lá na frente e, possivelmente, negado. “Os dois tipos de migrantes pedem refúgio, mas o primeiro artigo da Lei nº 9.474, que é a regulamentação brasileira sobre refugiados, faz a distinção”, assinalou.
Por conta disso, é importante o governo brasileiro produzir a documentação provisória. “Enquanto os pedidos são avaliados, os venezuelanos precisam ter sua situação regularizada, ainda que temporariamente, para ocuparem os abrigos e para as crianças serem matriculadas em escolas até que o governo defina quem são refugiados de fato”, disse.
Linhão
O presidente Michel Temer garantiu resolver o abastecimento de energia de Roraima, único estado brasileiro que ainda não é conectado ao Sistema Interligado Nacional (SIN). “Depois de ouvir a todos, quero registrar que não descansarei enquanto não resolver os problemas de Roraima. E isso inclui a questão indígena e também a do linhão”, destacou, referindo-se à linha de transmissão de Tucuruí, que passa por terras indígenas do povo Waimiri Atroari. Enquanto as obras não avançam, a energia que abastece Roraima é de termelétricas e de linhões da Venezuela.
Fonte: Correio Braziliense
Foto: Beto Barata/PR