A via-sacra da vida real. Pacientes enfrentam calvário por remédios
Dos 133 medicamentos disponíveis na Farmácia de Alto Custo do DF, 46 estão em falta. GDF promete solução rápida
Nesta Sexta-Feira Santa (30/3), cristãos do mundo inteiro se dedicarão a rezar em memória das últimas horas de Jesus antes da crucificação. Nos tempos atuais, a aflição de Cristo guarda certa semelhança com quem enfrenta uma verdadeira via-sacra pela vida. São homens e mulheres que precisam contar com a sorte para conseguir remédios na Farmácia de Alto Custo do DF, muitos deles essenciais para se manterem saudáveis.
O Metrópoles acompanhou o calvário de alguns moradores da capital dependentes de medicamentos custeados pelo poder público. É o caso do aposentado João Vieira dos Santos, 85 anos. Em tratamento oftalmológico há cerca de um ano e meio, aguarda por uma cirurgia no Sistema Único de Saúde (SUS) para desentupir o canal lacrimal.
Na manhã dessa quinta-feira (29/3), ele foi até a Farmácia de Alto Custo da 102 Sul com o objetivo de buscar o colírio de uso diário, mas foi informado de que não teria acesso ao medicamento chamado Travoprosta. O aposentado anda com auxílio de uma bengala e saiu de casa, no Condomínio Privê Residencial Mônaco, próximo à Papuda, em São Sebastião, às 6h, porém só recebeu atendimento no local por volta das 9h.
“É uma busca incessante pela cura da doença. Não consigo ficar sem o colírio porque me incomoda muito. Os olhos ficam lacrimejando e inflamados. Ainda apresentam vermelhidão e inchaço. Muito desconfortável.” João Vieira dos Santos
Agora, João terá de aguardar uma semana para conseguir a substância. “Moro longe e, às vezes, consigo uma carona para vir aqui, mas tenho de voltar de ônibus. Também tenho problema na coluna e isso contribui para uma indisposição. Quero logo conseguir a cirurgia e resolver a situação de vez”, desabafa.
Tratamento interrompido
O mesmo ocorreu com o militar aposentado Eliseu da Silva Bonfim (foto de destaque), 48. Ele descobriu ser portador de Mal de Parkinson em 2011 e, desde então, busca os remédios disponibilizados pela Farmácia de Excepcionais da Secretaria de Saúde.
Eliseu toma quatro medicamentos por dia, mas um deles está em falta há dois meses na rede, o Entacapona. “Não posso ficar sem. A minha doença é degenerativa e vem piorando com o passar do tempo”, explica. O militar é casado e pai de três filhos. Com o diagnóstico, ele foi aposentado por invalidez. “A via-crúcis é uma caminhada que todos nós percorremos. Retrato do sofrimento diário da população. A fé em Cristo nos conduz e não nos deixa retroceder”, acrescenta.
A professora Alaíde Oliveira do Nascimento, 49, chegou ao local por volta das 9h para fazer o recadastro da mãe, Maria Oliveira do Nascimento, 74. Elas também queriam pegar o remédio que a idosa usa para a artrite reumatoide (doença inflamatória crônica capaz de afetar várias articulações), mas não conseguiram. “Só tenho para mais esta semana e vou ficar sem por cerca de 10 dias. Até lá, é torcer para não sentir dor”, torce Maria.
A filha demonstra preocupação com a interrupção do tratamento. “É um calvário depender dos serviços de saúde. A indisponibilidade de remédio é apenas um dos problemas”, comenta Alaíde.
Média de 1,2 mil atendimentos
Ao ser questionada pela reportagem sobre as reclamações dos pacientes, a Secretaria de Saúde informou que as três unidades da Farmácia de Alto Custo: Gama, Ceilândia e 102 Sul realizam, em média, cerca de 1,2 mil atendimentos por dia das 8h às 17h.
Em relação à falta do Entacapona, a compra já foi finalizada e a Secretaria de Saúde aguarda a entrega pelo fornecedor para a normalização do abastecimento, conforme explicou a pasta. “O colírio Travoprosta encontra-se disponível nas três Farmácias de Componentes Especializados (Alto Custo). Lembramos que a entrega é realizada uma vez por mês. Se o paciente já recebeu em março, só poderá pegar novamente em abril”, diz trecho da nota.
Atualmente, 46 medicamentos dos 133 disponíveis na rede estão em falta. Segundo o GDF, todos estão com processo de compra em andamento. “A Secretaria de Saúde trabalha para reabastecer todos os itens que se encontram em falta. Para isso, existem processos de compra em aberto, aguardando finalização ou entrega, para os itens já comprados. Em alguns casos, pode demorar devido a fatores como fracasso na licitação ou desinteresse de um fornecedor. Quando isso ocorre, o processo é reiniciado”.
Fonte: Metrópoles
Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles